23 de março de 2014

RoboCop

RoboCop não apenas é um reinício da franquia do policial ciborgue mais famoso do cinema, como também é o primeiro filme do diretor brasileiro José Padilha (dos sucessos Tropa de Elite 1 e 2) em Hollywood. Mais do que isso. Além de Padilha, ver nomes como o de Lula Carvalho como diretor de fotografia, Pedro Bromfman e Daniel de Rezende nos créditos cuidando respectivamente da música e da edição deixa qualquer brasileiro cheio de orgulho. Mas, afinal, do que se trata esse remake de RoboCop? 

Na trama, o conglomerado Omnicorp celebra o sucesso de seus soldados robôs na “pacificação” de Teerã, no Irã. Pelas ruas da cidade, marcham dezenas de autômatos com estatura e compleição humanoide, acompanhados pelos ED-209, verdadeiros tanques sobre pernas, que escaneiam os cidadãos – visivelmente descontentes – em busca de possíveis terroristas.

Narrando a cena e acompanhando sua equipe de repórteres in loco, temos o apresentador Pat Novak (um exaltado Samuel L. Jackson de peruca), que ressalta o quanto as máquinas da Omnicorp salvaram vidas humanas e critica a “robofobia” estado-unidense. Uma nacional lei impede que a empresa comercialize seus robôs militares no país. Enquanto isso, a diretoria da companhia, chefiada por Raymond Sellars (Michael Keaton tão obstinado quanto em seus tempos de Bruce Wayne) discute o quanto estão perdendo dinheiro sem poder vender robôs nos EUA e, em certo ponto da conversa surge o plano de criar um produto – sim, o termo é esse – que seja a fusão entre homem e máquina, derrubando a desconfiança que paira sobre os robôs.

Enquanto isso, acompanhamos o detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman da série de TV The Killing) e seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams do oscarizado 12 Anos de Escravidão) sendo repreendidos na delegacia de polícia por investigarem por conta própria um conhecido traficante de armas, Antoine.   Vallon (Patrick Garrow, que coleciona papéis em séries como Nikita e Hannibal). Por conta disso, Murphy e Lewis acabam arrumando alguns desafetos, que culminam no segundo sendo baleado e no primeiro se tornando vítima de um atentado, com uma bomba em seu carro. E, é a partir daí que o filme toma outro rumo, muito diferente do RoboCop original que o holandês Paul Verhoeven (o Vingador do Futuro, Instinto Selvagem, Tropas Estelares) dirigiu em 1987.

Parte homem, parte máquina
O ponto crucial das diferenças na trama é que, ao contrário do Alex Murphy imortalizado por Peter Weller em 1987 é que este RoboCop não morre para depois voltar a vida como ciborgue. O detetive perde partes do corpo, principalmente do lado esquerdo, e se encontra mergulhado em estágio vegetativo. É aqui, somos apresentados ao doutor Dennet Norton (Gary Oldman, que dispensa apresentações, em mais uma atuação sóbria e crucial). O doutor Norton é o responsável pela Fundação Omnicorp, local aonde os diversos recursos da empresa no campo da robótica para dar nova vida a pessoas que tiveram membros amputados.

Bom, policial que sofreu atentado e está em coma praticamente inválido porque investigava o tráfico de armas. Certamente o caso de Murphy  cai como uma luva nos planos da empresa e eles não perdem tempo em oferecer à sua esposa Clara (Abbie Cornish de Sem Limites e Sucker Punch – Mundo Sureal) a possibilidade de ter pelo menos parte do marido de volta, mesmo que ele esteja, digamos, diferente. Após certa hesitação ela aceita e é com essa escolha que o remake se desvencilha de vez das amarras de ser totalmente fiel ao original.

A transformação de Murphy em RoboCop no novo filme é um dos pontos de vista mais enfatizados por Padilha. Assim, o que vimos de maneira corrida no original – e pela ótica do próprio policial – é mostrado aqui em tom quase documental. Desde a primeira armadura, que faz uma clara homenagem ao visual clássico do ciborgue até o quanto o personagem é parte homem e parte máquina. Também vimos o quanto essa nova versão evoluiu em termos de armamento quando Rick Mattox (Jackie Earl Heley de Watchmen e do remake de A Hora do Pesadelo) lhe mostra seu novo arsenal.

O capacete agora está sempre incorporado á cabeça de Murphy e disponibiliza o visor tático. Na perna direita, a boa e velha pistola de tamanho desproporcional, convertida em um taser para tonteio. Mas antes que os fãs xinguem, na perna esquerda está uma submetralhadora dobrável, fazendo deste RoboCop mais letal do que nunca.

Produto da Omnicorp
No Robocop original, ele era referido mais de uma vez como um produto da OCP, que também controlava a polícia. Alex Murphy estava morto e a empresa fazia o possível para se certificar de que continuasse, sempre monitorando a programação no cérebro do ciborgue. Nesta verão, é justamente o oposto: é importante que toda Detroit e a América saibam que o detetive é um milagre da ciência, criado para manter a lei e trazer de volta o sorriso de sua família.
Há um detalhe, inclusive, pouco explorado na trama que explora essa visão: a mão direita do herói. Ao ver o filme, fica realmente difícil entender o por quê mantê-la. Mas basta um pouco de reflexão para compreender a sacada. Afinal, nada como um robô com toque humano para garantir a confiança de todos, não é mesmo? Portanto, mesmo que carregue nos ombros a responsabilidade de um remake e fugir das comparações seja uma tarefa impossível, o filme se sente livre para ser novo em termos de abordagem e contar mais daqui em diante é estragar a surpresa.


Não há a violência caricata, ou as cenas “soltas” colocadas por Paul Verhoeven, onde tudo era motivo para mostrar um herói metálico sentando o dedo em alguém no meio de cidade em colapso. No lugar delas, a tensão gerada por sequências de ação mais sóbrias, porém intensas, que contribuem à trama e estão inseridas no contexto de uma cidade real dos EUA. E ainda que a ausência de cenas mais fortes tenha baixado a classificação etária (14 anos no Brasil), o filme não foi infantilizado de nenhuma forma.

No final das contas, o RoboCop de José Padilha aborda os mesmos pontos do filme de 1987, como a relação de Alex Murphy com a família, e o conflito homem x máquina. Estes, mesmo que aprofundados, não fecham o espaço para mostrar corrupção, discutir os limites da ciência e questionar o corporativismo. Porém, sem sangue em excesso ou aqueles programas de TV um tanto quanto perturbados no meio da história, que por mais que sejam inteligentes, acabam “quebrando” a narrativa. Agora, se isso faz dele melhor ou pior, quem vai decidir é você, depois de assistir. 


Comentário do Cineopses: texto do sempre bem-vindo Carlos Bazela! Valeu!

11 de março de 2014

Ela

Puxa... nenhum filme concorrente ao Oscar de 2014 mexeu tanto comigo quanto o "Ela" (Her, EUA 1013). E não estou desmerecendo os outros títulos, de maneira alguma, mas o longa do Spike Jonze me deixou tão perturbada (no bom sentido) que confesso que tive que ver mais de uma vez.

E nesse momento um milhão de razões pipocam na minha mente, para justificar eu ter gostado tanto da produção. Estou com dificuldades em alinhar as ideias. Ouso dizer que foi um dos filmes mais lindos, singelos, profundos e cativantes que vi nos últimos anos. Com certeza na lista (e prateleira) dos "mais mais".

Theodore Twombly (o impagável Joaquin Phoenix) é um sujeito emotivo que trabalha escrevendo cartas de amor para terceiros. O cara passou por um divórcio mas curte lá a solidão segura dele. Um belo dia compra um Sistema Operacional e se apaixona por ele. 

E não se trata de mais um filme que discute a relação homem e máquinas, os limites dessa nossa fissura pela tecnologia nem nada disso. O cerne dessa produção é a maneira como nós, seres humanos, nos relacionamos. Nossa carência pelo próximos, nossa idealização de parceiros perfeitos e belas histórias de amor. Tudo o que a gente sabe fazer (e muito bem) errado.

O sistema operacional, Samantha (Scarlett Johansson) não é apenas uma máquina programada. Estranhamente ela se desenvolve dia após dia e ganha características primordialmente humanas. Aos poucos ela aprende a conhecer Theodore e se apaixona por ele. Aos poucos ele percebe que tudo o que sempre sonhou em uma mulher está agora ali, na imagem de um dispositivo que cabe no bolso.

O cenário? O futuro. Mas nada de Jetsons. Na verdade não dá nem pra reconhecer o local mas é um tempo onde as pessoas terceirizam sentimentos, mandam outras escreverem suas cartas de amor, os vídeo games são assustadoramente reais (parte boa), não se usa canetas e por aí. Mas é curioso que não rola aquela visão de futuro que a gente herdou dos filmes de ação sabe. Mas é o futuro. E nesse futuro tão high tech seguimos com a necessidade gritante de nos conectarmos com outros da nossa espécie.

E perguntamos: qual a importância do corpo nas relações? Afinal Theodore se apaixonou pela voz e "presença" de Samantha. Isso é amor? Qual a nossa base para julgar o que é ou não real? A amiga de Theodore, Amy (Amy Adams) está passando por um divórcio e também se relaciona posteriormente com um SO. Em uma das muitas falas brilhantes do filme ela destaca que "o amor é uma forma de insanidade socialmente aceitável".

Saí com tantas perguntas do cinema que até hoje fico pensando em algumas sabia. O mais legal nisso tudo é que essa realidade não é assim tão absurda. Quanta gente a gente conhece pela internet hoje? Quanto esforço já empreendemos para sermos desejadíssimos no mundo digital!? Essa vida online que a gente cria, fala com o que somos offline?

Outra coisa bacana, já disse que não dá pra saber em que local a história se passa. Houve um cuidado em não identificar esse futuro. Por outro lado, as roupas dos personagens lembram umas peças setentistas. Engraçado. A melancolia que Joaquin transmite via Theodore causa empatia na hora. E não se trata de um cara deprê nem nada, impossível não se apaixonar por ele.

A gente se apaixona por livro, música, personagem, cheiro, gosto...pessoas. Como lidar com tudo isso? E aquele frio bom no estômago quando a conversa leva a gente pra outra esfera, quando há essa conexão que, uns dizem ser intelectual, outros clamam ser espiritual. E qual é? A Scarlett fez um puta trabalho encarnando a Samantha. Meu, é a voz dela e você se afeiçoa. 

Imagina a Scarlett, aquela baita mulher maravilhosa, sem o seu corpo! Ela deixaria de ser o que é? Dá meio que um nó na cabeça da gente. O roteiro é tão bem bolado e tão arrebatador que você sofre muito com os personagens. Se identifica com todos eles. Theodore apaixonado por um sistema, Amy que não sabe mais se amor existe mesmo, o chefe do Theodore que namora mas no fundo inveja a sintonia de Samantha e seu amigo e por aí vai.

Gostar é complicado. Amar então... nem me fala. Em momentos você fica na dúvida se os atores estão mesmo atuando ou resolveram lembrar de suas paixões e estão contando. Todo mundo que já se deixou morder por esse bichinho vai se identificar com o filme. Todo mundo.

A trilha sonora é um capítulo à parte, sob a responsabilidade dos meninos do Arcade Fire. Um dos momentos mais emocionantes do filme, quando Theodore realiza diversas atividades na companhia de Samantha, ao som de "The Moon Song" interpretada pelos protagonistas é de arrebatar. Essa, inclusive, concorreu ao careca de Melhor Canção Original, interpretada por Karen O. Música linda, linda, linda.

Vale se apaixonar pelo abstrato!? Pela versão que fazemos das pessoas? Pelos sonhos que depositamos nelas? Pelos planos que nós fizemos? Pelo que queremos ser? Amor existe ou trata-se de alguma reação química do nosso cérebro? Uma peça que esse danado prega na gente? Mais que isso, todas essas perguntas interessam? Mudam alguma coisa?

O Spike Jones acha que não. E eu concordo plenamente com ele

Beijo

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